Uma Análise das ADIs e da Nova Lei de Organização Básica da PM (Lei 14751/23)

A discussão sobre a existência de uma carreira jurídica no contexto militar é um tema que gera consideráveis debates no âmbito jurídico brasileiro. A questão da regulamentação das carreiras dentro das Polícias Militares é de extrema importância, principalmente quando se trata da equiparação de funções e da definição de atribuições profissionais. As decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) têm sido determinantes para estabelecer os limites e as definições legais sobre o que
constitui, de fato, uma “carreira jurídica”, especialmente em relação às carreiras de militares. Nesse cenário, a análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) referentes à carreira jurídica militar é crucial para entender o posicionamento
do STF sobre a matéria.

Além disso, a promulgação da Lei 14751/23, que reestrutura a organização básica das Polícias Militares do Brasil, mudou os requisitos para ingresso nas carreiras policiais militares com a incorporação de exigências relacionadas à formação superior.
Este artigo visa analisar, à luz das ADIs relevantes e da Lei 14751/23, se a criação e o reconhecimento de uma carreira jurídica no âmbito das PMs possuem respaldo legal sob a ótica do STF. Será abordada a interpretação das decisões do STF, que delimitam as funções das carreiras militares e sua compatibilidade com os parâmetros constitucionais, além de uma avaliação crítica da nova Lei de Organização Básica da PM e seu impacto sobre a hierarquia e os requisitos de ingresso nas carreiras policiais militares.

A análise proposta proporcionará um entendimento profundo das implicações legais da criação de carreiras dentro da Polícia Militar e outros órgãos de segurança pública, destacando as consequências jurídicas da nova legislação e
como ela se alinha com as diretrizes constitucionais.

Análise das ADIs – ADI 765 – A Criação de Carreiras Jurídicas na Polícia Militar

A ADI 765 trata da possível inconstitucionalidade da criação de carreiras jurídicas dentro da Polícia Militar, um tema controverso no direito constitucional brasileiro.
O Supremo Tribunal Federal (STF) foi chamado a se pronunciar sobre a constitucionalidade de normas estaduais que vinculam os oficiais da Polícia Militar às chamadas “carreiras jurídicas”. A questão central reside na definição das carreiras jurídicas prevista no artigo 135 da Constituição Federal, que estabelece um rol restrito de cargos, como os de Procurador de Estado e Defensor Público, e não inclui as funções desempenhadas pelos oficiais da Polícia Militar.
O STF, ao analisar essa ADI, reafirmou o entendimento restritivo do conceito de “carreira jurídica” e considerou que a PM não integra esse conceito, uma vez que suas funções não se vinculam diretamente ao exercício da advocacia pública ou à defesa da ordem jurídica, conforme previsto na Constituição.
Nesse contexto, o STF declarou a inconstitucionalidade da equiparação salarial entre os oficiais da PM e os procuradores do Estado, confirmando que, apesar de exigirem formação superior, as atribuições dos oficiais da PM não são assemelhadas às de procuradores ou outras carreiras jurídicas.

ADI 4873 – A Criação de Carreira Jurídica na Polícia Militar de Santa Catarina

A ADI 4873 abordou a constitucionalidade de uma emenda à Constituição do Estado de Santa Catarina, que estabeleceu para os oficiais da Polícia Militar a criação de uma carreira organizada com exigência de diploma de Bacharel em Direito, além de garantir independência funcional para os atos de polícia ostensiva. O STF, nesse caso, julgou a ADI improcedente, mas ressaltou que o Estado possui competência para organizar suas próprias carreiras militares, desde que não ultrapasse os limites estabelecidos pela Constituição Federal. O cerne da decisão foi a análise da competência estadual para legislar sobre a organização das PMs, mas sem permitir a criação de uma carreira jurídica militar, uma vez que o STF limitou
o conceito de carreira jurídica a determinadas funções, como as de procurador e defensor público.

ADI 761 RS – A Equiparação Salarial Entre Oficiais da PM e Procuradores do Estado

A ADI 761 do Rio Grande do Sul tratou da constitucionalidade de uma lei estadual que vinculava o aumento salarial dos oficiais da PM à equiparação com os vencimentos dos procuradores do Estado. O STF decidiu pela inconstitucionalidade parcial da norma, considerando que, apesar de os oficiais da PM possuírem formação superior, suas atribuições não podem ser comparadas com as de procuradores de Estado, que integram a carreira jurídica conforme a Constituição Federal. O STF fundamentou que a Constituição não estabelece a equiparação salarial entre os oficiais da PM e as carreiras jurídicas, como a de procurador de Estado, o que impede a vinculação dos vencimentos entre essas duas categorias.

Existência Legal da “Carreira Jurídica Militar”

O entendimento consolidado pelo STF nas ADIs 765 e 4873 é claro ao afirmar que as carreiras jurídicas, para fins constitucionais, são restritas a aquelas com atribuições vinculadas diretamente ao exercício da advocacia pública,
como as de Procurador do Estado e Defensor Público. As funções desempenhadas pelos oficiais da Polícia Militar, apesar de exigirem nível superior, não se alinham com a definição constitucional de “carreira jurídica”.

Portanto, é inviável sustentar a existência de uma “carreira jurídica militar”, uma vez que a atuação dos oficiais da PM não se dá no campo da defesa da ordem jurídica de maneira semelhante à função de um advogado ou procurador. A criação de uma carreira jurídica militar, com direitos de equiparação a outras carreiras jurídicas, como a de procuradores, não encontra respaldo na interpretação do STF, que restringe o conceito de “carreira jurídica” a funções que envolvem a defesa da ordem jurídica e a representação do Estado, atividades que não são realizadas pelos oficiais da PM no exercício de suas funções.
A Lei 14751/23 e a Existência de Carreiras de Nível Superior e Nível Médio A Lei 14751/23, que estabelece os novos parâmetros para o ingresso nas carreiras das PMs, exige a formação superior para aqueles que desejam ingressar nas carreiras da Polícia Militar. No entanto, a norma não faz distinção entre cargos de nível superior e nível médio, limitando-se a estabelecer a exigência de formação superior para as vagas nos quadros da PM.

Embora a Lei 14751/23 determine a necessidade de grau superior para o ingresso nas PMs, ela não cria uma “carreira jurídica” para os oficiais. Além disso, a norma não reconhece formalmente a existência de carreiras de nível médio no contexto das PMs, já que a exigência de qualificação superior para ingresso nas funções militares torna desnecessária a criação de uma estrutura bifásica (nível superior e nível médio) dentro da organização. Assim, a nova legislação não apresenta respaldo jurídico para a existência de uma carreira de nível médio, uma vez que a exigência de formação superior é clara e explícita para o ingresso nas carreiras da PM.

Conclusão

Em síntese, as decisões do STF, refletidas nas ADIs 765, 4873 e 761, mostram que a criação de uma “carreira jurídica militar” não encontra respaldo na Constituição, pois as funções desempenhadas pelos oficiais da PM não se alinham com as atribuições típicas das carreiras jurídicas, como as de Procurador do Estado.
Além disso, a Lei 14751/23, ao exigir a formação superior para ingresso nas PMs, não cria uma estrutura de carreiras bifásica e não sustenta a existência de uma carreira de nível médio ou uma “carreira jurídica” militar. O entendimento do STF e a análise da nova legislação evidenciam que as PMs devem ser vistas como uma carreira com exigências acadêmicas elevadas, mas sem a classificação formal como uma carreira jurídica, conforme o modelo constitucional.

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