“Meu maior desafio é continuar entregando para a comunidade indicadores cada vez mais reduzidos”, diz o coronel Santarosa
No fim da tarde do último sábado (2), o coronel da reserva Vanius Cesar Santarosa, 53 anos, fazia compras no supermercado quando o telefone tocou. Do outro lado da linha, o governador Ranolfo Vieira Júnior – que havia assumido o cargo há dois dias – tinha um convite: um café na manhã seguinte no Palácio Piratini.
Dois meses antes, quando Santarosa estava prestes a deixar o comando-geral da Brigada Militar (BM) ao completar 35 anos de serviço, Ranolfo, então vice-governador e secretário da segurança, havia feito um aviso:
— O senhor descanse rápido, que não vai ficar muito tempo em casa.
Naquele período, o oficial cogitou que seria chamado futuramente para alguma assessoria ou conselho. Aproveitou o descanso para visitar familiares no Interior. Nascido na zona rural de Bento Gonçalves, filho de agricultores, cresceu ajudando os pais no cultivo de uvas. Ao mesmo tempo, recebeu da família o incentivo para estudar e buscar outra forma de sustento, menos suscetível às intempéries.
Percorria de bicicleta trecho da estrada até uma parada de ônibus, onde embarcava para o colégio. Foi assim que trocou o cultivo no campo pelos batalhões da Brigada Militar (BM), em 1987. Acostumado à rotina atribulada, após mais de três décadas de serviço, quando aposentou a farda, estranhou o silêncio do celular. Assim que entrou na reserva, deixou de receber os alertas de ocorrências do Estado. Aproveitou a oportunidade para estar mais próximo das duas filhas. Agitado, do tipo de que não gosta de ficar parado, também ocupou o tempo com atividades físicas, como a corrida.
Assim como havia se adaptado com outras mudanças, como ao deixar a Aviação da BM em 2017, onde permaneceu 15 anos e acumulou mais de 6 mil horas de voo, estava determinado a fazer isso outra vez. Até receber o telefonema. Na manhã do domingo (3), Santarosa chegou ao Piratini conjecturando o motivo do café. Durante a conversa, Ranolfo concretizou o convite para que o coronel assumisse a Secretaria da Segurança Pública (SSP), pasta que o delegado mesmo havia deixado.
— Nem consegui almoçar. Começaram as reuniões. E assim foi meu domingo. Quando saio daqui, estou de chinelinho de dedos, vou fazer compras no supermercado. Tenho vida normal. Mas, depois disso, a rotina mudou drasticamente. Jamais passou pela minha cabeça ser o secretário da segurança pública. Sou sempre movido a desafios — contou Santarosa, na tarde da última quarta-feira (6), em seu novo gabinete na sede da secretaria, na Zona Sul.
Primeiro comandante da BM a ser alçado ao cargo, brincou que está se adaptando à troca da praticidade da farda pela formalidade dos ternos:
— A farda era só tirar e jogar na máquina. Agora não posso nem repetir o mesmo terno todo dia.
A mudança exige também olhar ampliado, já que se tornou responsável por todos os órgãos que integram a segurança pública no Estado.
— Como comandante da Brigada, minha preocupação era prender e levar para a Polícia Civil. Se não tiver lugar, deixa na viatura que uma hora eles vão arrumar vaga. Agora, minha preocupação é interagir com o secretário de Justiça para isso não acontecer. Não é algo que tu pensas na academia: “vou ser comandante-geral, vou ser secretário”. Nem passa pela tua cabeça, é algo distante. Mas aí tu vais trabalhando, trabalhando. E quando vê — disse.
Desafios
Durante a entrevista, Santarosa precisou se deslocar para o Centro Administrativo Fernando Ferrari, onde tinha outra reunião. No trajeto de carro, manteve os ouvidos atentos numa reportagem da Rádio Gaúcha sobre o conflito entre facções na Capital. Os confrontos estão por trás da série de ataques a tiros e assassinatos registrada nas últimas semanas. Ao mesmo tempo em que comentava as informações, trocava mensagens no celular com o comando da BM. Um dia antes, mais de cem policiais militares e civis passaram a percorrer, com apoio de helicóptero, o território entre a Vila Cruzeiro e o bairro Cascata, numa tentativa de inibir os assassinatos.
Frear essa onda de violência que assola a zona sul de Porto Alegre é um dos desafios do novo secretário. Do celular e do computador, Santarosa monitora de forma instantânea os números da criminalidade no Estado. Em março, apesar dos crimes na Capital, afirma que os indicadores no Estado tiveram pouca variação em relação a 2021.
Meu maior desafio é continuar entregando para a comunidade indicadores cada vez mais reduzidos.
CORONEL SANTAROSA
Secretário da segurança
— A diferença é de um homicídio (a mais). O que acontece é que eles se concentraram no final do mês. Meu maior desafio é continuar entregando para a comunidade indicadores cada vez mais reduzidos — afirmou.
O novo secretário falou a GZH sobre alguns temas envolvendo a segurança pública. Confira:
Conflito em Porto Alegre
“Estamos com cem homens do Batalhão de Choque dentro da Cruzeiro, fazendo o enfrentamento desses homicídios que ocorreram nos últimos 15 a 20 dias. Estamos com todo Bope, a elite da Brigada, inserida na comunidade, para fazer captura desses criminosos escondidos ao meio das pessoas de bem. Estamos com aeronave com imageador térmico, sobrevoando, dia e noite. Houve várias prisões de criminosos. A Polícia Civil está reunindo a robustez de provas para levar esses criminosos à Justiça e ter condição de condená-los”.
Transferência de líderes
“Estamos trabalhando com a quarta edição da Operação Império da Lei, que lida com a movimentação de presos de alta periculosidade (para penitenciárias federais). Estamos com uma lista de nomes selecionados para serem movimentados para fora do Estado. Também estamos fazendo movimentações entre presídios dentro do Estado. Não é admissível que um preso, que esteja cumprindo pena, consiga comunicação. Estamos fazendo revistas semanais nos presídios para retirar celulares.”
Violência em Rio Grande
“Tivemos aumento dos homicídios e estamos fazendo operações lá. Uma policial civil, no cumprimento de mandados de prisão, foi baleada e está se recuperando. Fizemos em torno de 10 a 12 prisões. Mas por que Rio Grande? No ano passado foi pego um barco pesqueiro com 500 quilos de cocaína, que ia em direção a Rio Grande. Após, foi feita operação com a Polícia Federal, onde foram pegas duas toneladas de cocaína. Acredita-se que esteja estabelecida rota de envio de cocaína para fora do país pelo porto de Rio Grande. Isso explica o aumento do confronto. Criminosos faccionados, de fora de Rio Grande, migraram para lá. E o pessoal local está entrando em confronto com eles. É contra isso que estamos trabalhando.”
Efetivo
“A segurança é uma das poucas áreas do Estado que está fazendo reposição de efetivo. Tem calendário de chamamento, de formações, e está sendo mantido à risca. Em termos de Brigada, tem até um edital aberto selecionando 4 mil policias para fazer o ingresso nos próximos meses. O primeiro chamamento deve acontecer no segundo semestre, se tudo correr bem”.
Equipamentos
“Desde 2019, só compramos viaturas semiblindadas e de qualidade. Em vez de comprar 10 veículos populares, preferimos comprar cinco com qualidade. Hoje a política é essa. Estamos comprando armamento para substituir todas as pistolas. Temos pistolas de até 20 anos. Estamos trocando por pistolas de última geração. Todos os policias vão usar a mesma arma. Preciso poder trocar os carregadores de uma arma para outra. Se um ficar sem munição, pode emprestar.”
Promoções
“Na Brigada, todos os anos, de 600 a 700 se aposentam. E aí preciso fazer cronograma de reposição. Hoje estamos formando, agora no segundo semestre é a última turma, 2,1 mil segundo-sargento. Há sete anos não ingressava nenhum capitão na nossa academia. Deveria ter 566 capitães na Brigada. Tenho 140 capitães, é um déficit de 80%. Hoje tem mais de 200 fazendo curso. A primeira turma se forma no meio do ano. Desatar esses nós foi muito gratificante como comandante-geral”.
Prédio da SSP
“O prédio (na Voluntários da Pátria) foi demolido, e está sendo feita a retirada do entulho. Estamos com duas linhas: uma de refazer a construção lá e outra de fazer a troca da área por outro imóvel que possa abrigar a SSP. Uma avaliação venal está sendo feita do terreno, porque tenho que partir de um valor. Vamos adotar, acho que ainda no primeiro semestre, uma das linhas. Provisoriamente seguimos instalados nesse prédio aqui (na Zona Sul).”
A mudança de gestão
“A SSP estava sendo chefiada por um delegado de polícia e o secretário-adjunto era um coronel da Brigada. Com a saída do delegado Ranolfo, ele fez a inversão. Pôs um coronel da Brigada à frente da secretaria e o secretário-adjunto um delegado (Heraldo Guerreiro). Independente de ser coronel, ou delegado, a administração tem um fim: entregar mais qualidade de vida à população. Essa é a função da SSP.”
Fonte: GZH
Foto: Camila Hermes / Agencia RBS