Última mulher coronel, das pioneiras da BM, entra para reserva

Historiadora, museóloga, fotógrafa, militar, mãe, negra e mulher. Todas essas são características da coronel Najara Santos da Silva em sua trajetória na Brigada Militar, que se encerra nesta terça-feira (31/8), mas a principal marca deixada pela porto-alegrense na instituição se resume em uma palavra: pioneirismo. Ela é a última policial militar das primeiras turmas femininas da corporação a alcançar o mais alto posto da carreira de oficial ainda na ativa, também a primeira negra nessa condição, a primeira instrutora de tiro da BM e, ainda, a primeira mulher a comandar o 21° Batalhão de Polícia Militar (21° BPM), na Zona Sul da Capital. Após 35 anos de serviço, a coronel Najara passa à reserva deixando um legado de caminhos abertos e inspiração para as colegas e as alunas-oficiais, que serão as futuras lideranças femininas da Brigada.

Nascida, criada e ainda moradora do Bairro Santana, Najara veio ao mundo “no ano da legalidade”, como gosta de frisar, em 22 de julho de 1961. Com 60 anos, hoje é a oficial mais velha da BM.

Inspirada no pai, seu sonho de infância era ser marinheira, mas a sua formação não era aceita na época. Formada em Estudos Sociais e História pela Unisinos, estava, então, no aguardo de concurso para magistério ou para historiadora. Como o certame específico não surgia, a mãe sugeriu que se inscrevesse para o concurso da BM. Embora não tenha ingressado na força naval brasileira, sua disciplina e teimosia não a deixaram longe da vida da caserna.

Atual chefe de gabinete do comandante-geral da BM, Najara incluiu em 1987 no Curso de Formação de Sargentos Femininos, primeira turma de praças mulheres da polícia militar gaúcha. “Éramos 16 mulheres. Toda atividade quando ela é pioneira, se tem trabalho. Durante o curso passamos dificuldades. Embora houvesse a preocupação de adaptação da estrutura por parte da Escola de Formação e Especialização de Cabos e Soldados, o ambiente era para o público masculino”, conta a oficial.

Depois de formada, trabalhou na Companhia Feminina como sargento e participou da formação da segunda turma de soldados femininas. Por questões de logística, as companhias femininas foram extintas e as mulheres incorporadas aos batalhões, o que também impulsionou a superação de dificuldades para adaptação dos quartéis às mulheres. Os recursos eram escassos, o aquartelamento era difícil para os homens, mas para mulheres, ainda mais, na maioria das vezes com alojamentos improvisados e revezamento de sanitários. Tudo, aos poucos, graças à presença de pioneiras como Najara, foi avançando.

Em 1989, uma incansável Najara ingressou no Curso de Formação de Oficiais, como 2º tenente. Na época, o currículo ainda era diferente dos homens. Para o público feminino, eram aceitos apenas alguns cursos superiores, o que não incluía nenhuma das suas formações. Mas Najara não desistiu. Com apoio da hoje coronel da reserva Cristine Rasbold – outra pioneira, como primeira mulher a assumir o Estado-Maior da BM –, levou uma longa e fundamentada justificativa da relevância dos conhecimentos que possuía. Convenceu o comando e obteve direito ao ingresso no curso para oficiais.

A novidade também proporcionou mudanças nas fardas, sapatos e coturnos, feitos sob medida, para atender às necessidades da anatomia feminina. Alcançada mais uma conquista com a formatura como oficial, Najara foi para o 1º Batalhão de Polícia Militar. Passado algum tempo, a impulso do pioneirismo voltou a falar alto: abriu-se processo seletivo para formação de instrutores de tiro. “Já tinha tentado fazer, mas como eu era sargento (na época), não pude. Então, era questão de honra ser aprovada nesse”, destacou a brigadiana.

Assim, Najara não deixou escapar mais uma chance de fazer história. Todo o intervalo que tinha entre um serviço e outro, dedicava aos treinos. “Parecia meio doida, todo minuto que tinha, eu ia para o alojamento, onde tinha um alvo atrás da porta. Treinava saque, mira, visada, todos os fundamentos, só a execução do tiro que não. Assim, consegui ser aprovada. A duras penas, sobrevivi ao curso e àquela turma medonha”, lembra com o sorriso aquela que se tornaria a primeira mulher instrutora de tiros da instituição.

Na sequência da carreira, como comandante do Colégio Tiradentes de Porto Alegre e o Departamento de Ensino, enxergou a possibilidade de se dedicar à educação na maior parte da carreira como uma dádiva. Najara ainda esteve à frente do Comando Ambiental, do Comando de Policiamento da Capital e da coordenação estadual do Programa Patrulha Maria da Penha. Além de ter sido a primeira mulher a comandar o 21º BPM, também teve passagem pela direção do Museu da Brigada Militar, onde aproveitou sua especialização de museologia para encabeçar diversos projetos.

No balanço de retrospectiva, apesar de não ter seguido carreira em sua formação acadêmica, a coronel não tem dúvida de ter feito as escolhas certas. “Vou fechar 35 anos de serviço ativo, pois acabei me apaixonando pela Brigada Militar”, afirma com convicção a profissional que dedicou a vida a servir e proteger a comunidade gaúcha.

Na última sexta-feira (27/8), a oficial recebeu homenagem da turma de alunas-oficiais do Curso Superior de Polícia Militar (CSPM), na Academia de Polícia Militar. As cadetes foram incumbidas de definir a coronel Najara em uma palavra. Bravura, autenticidade, competência, resiliência, liderança, empatia e inspiração foram características lembradas à oficial superior. Com a presença surpresa da filha, Natália, de 22 anos, a deferência também contemplou a Najara mãe e mulher. “Não fazia ideia do quanto minha mãe era admirada no trabalho dela. Ela é meu exemplo e, pelo visto, é de vocês também. A minha mãe é uma mulher forte e batalhadora. Te amo, mãe!”, declarou, emocionada, a estudante de arquitetura.

Com a trilha de sua cantora favorita, Maria Betânia, um vídeo trouxe uma sequência de imagens da trajetória de Najara na Brigada. Com a palavra, a oficial agradeceu a homenagem e deixou um recado às futuras lideranças da corporação: “Dificuldades todos enfrentam. Mulheres, homens, negros e brancos. Na carreira militar e na vida. Contudo, com esforço e dedicação, tudo se supera. Lutem pelos ideais de vocês e conquistem seu espaço. Ajudamos a construir a história da Brigada Militar e, agora, é a vez de vocês”.

Texto: Kelly Motter/SSP
Edição: Carlos Ismael Moreira/SP

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